domingo, fevereiro 10, 2008

Experiência X

Antes do texto, queria só dizer que esta nova "Experiência" é maior do que as outras, simplesmente porque é uma experiência e quis escrever algo mais descritivo e sem muita piada, ao contrário do que fiz (ou tentei fazer) em algumas partes desta possível série de textos. Algo mais sério e seco, e que, vai-se lá saber porquê, calha mesmo na edição X (dez, por favor), do "Experiência". Estou a escrever isto como um apelo para o lerem até ao fim, já que é um bocado grande e eu partilho a vossa possível dor de ler coisas enormes em blogs. Eu sei, é estúpido, mas aconteceu.

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Um grupo de homens junta-se numa pequena trincheira. Mesmo sendo noite, os clarões das bombas que caem iluminam os céus com cores que não viam há meses. Um duro Inverno apoderou-se das terras onde lutam, deixando-os cada vez mais fracos, e sem esperanças de que a sua luta algum dia terá final. A única coisa que sabem, é que quem sai daquela trincheira nunca mais regressa, e eles são os últimos.
A trincheira parece ser cada vez mais pequena à medida que o medo aumenta. O som dos tiros não desaparece há mais de três dias, como se chamasse por eles, como se não fosse possível fugir. Por mais pequena que seja aquela trincheira, é a única coisa que resta aos 6 soldados. Não sabem quem são, nunca se viram, e mesmo que o tenham feito, não tiveram o tempo necessário para falar sobre outra coisa qualquer do que sobreviver. A falta de contacto humano faz com que se afastem uns dos outros, perdidos, sem mais nada.
O som dos tiros continua. Um deles tenta subir a trincheira para tentar ver o que se passa para além do buraco sujo onde estão.

- Espera pela manha.

- Que diferença é que isso faz?

O soldado mais afastado mantém-se calado, desvia o olhar.

- Ele tem razão.

O soldado mais próximo aproxima-se do nome que tenta subir.

- Não sabes o que está lá fora, espera pela luz.

O céu ilumina-se com mais uma explosão, cada vez mais próxima.

- Acho que temos toda a luz que precisamos.

O soldado afasta-se, encosta-se novamente à parede de lama. Os outros ficam em silêncio, cada um no seu pequeno espaço. O soldado continua a subir a trincheira, cada vez mais lento, cada vez mais perto da saída, cada vez mais nervoso e inseguro. A sua mão direita toca finalmente na superfície do terreno de combate, só faltando ver, com os seus próprios olhos, aquilo que espera o grupo de soldados quando saírem da trincheira. A mão treme cada vez mais, quase não a conseguindo controlar, tenta respirar, mas não consegue. O coração bate como se fosse todas as bombas que quase acertam na trincheira, cada vez mais rápido, sem parar, não o deixando descansar. Os olhos quase fecham, treme, transpira, até que se deixa cair, escorrega na lama, caindo novamente no chão da trincheira suja. Respira de uma forma ofegante, derrotado pelo seu próprio medo.
O soldado mais afastado volta a olhar para o pobre soldado derrotado. Todos os outros continuam em silêncio, paralisados.

- Qualquer um deles faria o mesmo que nós.

- Sim, mas nenhum deles ficou cá.

Os soldados ficam novamente em silêncio. O soldado cansado, amedrontado, tinha-lhes apontado o dedo. Todos os outros que ali estiveram, companheiros ou amigos, saíram e lutaram, todos menos eles, restos de companhias que nunca conseguiram ver o que estava para além daquele local supostamente seguro. Jogar pelo seguro quando não há mais nada para jogar, simplesmente ver o resto do mundo andar, até que haja uma ruptura e possam reentrar no jogo. Contudo, derrotados já eles estavam, e todas as palavras que possam cuspir naquele momento perdem todo o seu significado quando ficam ali simplesmente parados. “Esperemos pela manha, pela luz, pelo próximo dia”. Nunca haverá esse dia, e eles sabem-no.
Passaram mais dois dias, e as bombas finalmente pararam de cair. Os tiros simplesmente caíram e deixaram-se ficar calados, o silêncio apoderou-se daquele inferno. Já não existiam gritos, nem corpos que caiam nas águas ensanguentadas do terreno de combate, só conseguíam ouvir o vento frio. Perturbados pelo silêncio, cada um dos 6 soldados foi acordando, admirados pela beleza do silêncio, há tanto tempo desejado. Cada um deles, lentamente, começou a sorrir, até que não conseguíram aguentar os risos de alegria. Tinham sobrevivido, e poderiam finalmente sair daquele buraco nojento. Por entre as nuvens negras, o novo dia surgiu, um Sol amarelo, alegre e quente, que os tinha abandonado durante a batalha. Agora sabiam que estavam salvos, era tempo de saírem.
Pela primeira vez, conseguíam ver as caras dos seus companheiros, sorriam e depois abraçaram-se. Companheiros de guerra, os verdadeiros heróis e sobreviventes. Ao longe, mesmo quando iam a subir, ouviram um tiro, seguído de outro, secos, rápidos. Deixaram-se cair, prepararam as suas armas e esperaram. Os tiros iam ficando mais próximos, conseguíam ouvir alguém falar e passos. Aproximam-se cada vez mais, alguns passos passam a muitos passos, e aquelas pequenas palavras a frases. O inimigo aproxima-se, até que os olha da entrada da trincheira. Um grupo de homens, armas na mão, máscaras de gás na cara, olham para eles. Não dizem nada, simplesmente olham, bloqueando as suas saídas. Têm medo, à medida que os homens olham uns para os outros e tentam preparar as suas armas, mas elas simplesmente não funcionam. O grupo de homens aponta-lhes as armas e disparam para o buraco, sem piedade, sem parar, até que não reste quase nada daqueles 6 soldados. Quando se sentem satisfeitos, afastam-se do buraco, deixando os restos a apodrecer.
O grupo de homens afasta-se lentamente do buraco, um longo terreno destruído levanta-se à sua frente, inúmeros soldados feridos, pedindo ajuda, e eles, uma a um, vão matando-os. Executam os derrotados, não existem prisioneiros. Do outro lado do terreno, o General olha para o terreno destruído e para as tropas inimigas derrotadas. Respira fundo, solta um sorriso sincero. Ao seu lado, um soldado raso, sem máscara. Abraça-o, todos os outros soldados batem palmas. Emocionado, olha para as suas tropas.

- Este é um novo dia, aproveitem-no!

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