Experiência VIII
- Das duas uma, ou temos o Inverno mais quente ou temos o “Verão” mais frio de sempre...
- O tempo anda esquisito, qualquer dia nem estações do ano temos.
- É exactamente disso que eu estou a falar! As pessoas preocupam-se tanto com essas tretas das florestas e o caraças, mas não há nada que melhore.
- Mais vale lixar logo tudo de uma vez e depois logo se vê.
- Claro, não que nós deixemos cá alguém a sofrer com os nossos erros.
Frank e Steve sorriem, dando os últimos retoques nas suas máscaras de palhaçoes. Depois de vários empregos falhados, Frank decidiu ajudar o seu amigo no seu mais precioso sonho: ser palhaço em festas para crianças. Como não tinha muito mais na vida, Frank deixou-se simplesmente ser palhaço.
- Estás preparado?
Frank olha-se ao espelho, ajustando o batôn.
- Deixa-me arranjar os lábios e meter mais pó-de-talco. A ver se disfarça a ressaca.
- Temos de começar a ir menos vezes ao Joe’s.
- Isso é o que nós dizemos todas as noites, mas...o que há mais? Um trabalho de 8 horas e uma mulher em casa?
Steve parece um pouco mais abatido, perdido em alguma das suas memórias.
- Não digo isso...apenas quebrar a rotina...beber e entreter putos que nem gostam de nós.
Frank aproxima-se de Steve e dá-lhe uma palmada reconfortante nas costas.
- É aquilo que nós escolhemos, só temos é de a viver.
Steve parece compreender, ou pelo menos querer compreender o que poderá Frank estar a sentir. Na verdade, Frank não escolheu rigorosamente nada, deixando-se levar pela sua maldita vontade, acabando nas piores situações possiveis. Ao menos com Steve, sabia que existiria alguém tão mau quanto ele.
- Qual é o número que utilizamos hoje?
- Epá, vamos para um mais calmo. Está-me a doer a cabeça e quero-me mexer pouco.
- Balões em forma de animais?
- Só se tu atares a porcaria dos balões.
- Está bem...(suspira). Vamos a isto.
Steve empurra a porta de um dos roupeiros da casa e saem completamente alegres para entreterem as crianças, que, com a sua chegada, soltam enormes gargalhadas que ecoam pela casa, fazendo-se ouvir por todo o bairro. As crianças estão felizes, mas eles não e isso era algo com que eles teriam de viver para sempre.
Após a festa, Frank e Steve acabam por voltar ao Joe’s. Tanto um como o outro, tem uma caneca de cerveja na mão, um olhar vazio e um enorme silêncio. O bar está praticamente vazio e o empregado anda a limpar o chão. Frank parece estar bêbado.
- Sabes o que é que dizem que é mais importante?
Steve leva a caneca à boca.
- A beleza interior. Sabes o que isso é? Aquelas tretas todas sobre o quanto tu podes ser belo se fores uma boa pessoa...
Steve olha para Frank, que continua com um olhar meio perdido enquanto vai falando.
- Não acreditas nisso?
- Isso não interessa, lá se tu acreditas ou não, não vai fazer com que os outros acreditem. Sabes o que são desculpas? É isso que aquilo é.
Frank bebe o resto da cerveja.
- Se tu és feio, vais sempre pensar que és uma pessoa bonita no interior, porque nunca ninguém te dá a hipótese de mostrares realmente quem és. E por isso mesmo, sonhas por uma princesa qualquer que um dia olhe para ti e dia, “Uau, aquele monte de merda deve ser mesmo uma pessoa mesmo bela, mesmo lá no fundo.”
Frank pousa a caneca.
- Tretas.
Steve desvia o olhar de Frank, fica meio perturbado com toda aquela conversa. Olha para o resto da cerveja, mas põe a caneca de lado.
- Elas só querem saber como tu és cá fora, mais nada. E é com isso que nós temos de viver.
- Acho que nos temos de viver com muitas mais coisas.
Frank sorri.
- Por isso mesmo é que vamos ser sempre os mais belos deste bar, ou lá no que quisermos acreditar.
Steve dá uma palmada nas costas de Frank.
- Que isso seja um bom motivo para continuarmos a vir aqui todas as noites, sem problemas.
- Ámen.
Etiquetas: Experiencia
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