quinta-feira, julho 05, 2007

Experiência V

Do palco, um homem olha para a plateia. Tem uns olhos tristes, mas profundamente verdadeiros.

- Meu caros colegas, a vida é uma simples necessidade que temos em relação à leis do Universo. É tudo aquilo que se junta e se forma conforme a nossa vontade.

As pessoas parecem chocadas. Do meio da plateia, levanta-se um homem com uma pistola na cabeça.

- Está errado, meu bom homem. A vida é tudo o que passou, sendo revista através das imagens guardadas nos nossos olhos. É o vazio completo que guarda a minha alma, e aquilo que me faz querer desaparecer.

O homem do palco olha para as suas mãos, que vão ficando cheias de sangue. Leva-as à cara e cobre os seus olhos.

- Agora vejo a verdade. O mundo é vermelho, a vida é sangue.

Todas as pessoas levantam-se, viram as costas, em simultâneo, para o pobre homem.


- (em coro) Nada podemos ouvir, pois nada pode vir do vermelho.

O homem baixa a pistola e chora.

- Então a vida não pode ser ouvida ou percebida. Quem sou eu?

As luzes apagam-se. Do fundo da sala, dois jovens caminham em direcção ao palco. Não se olham.
O homem no palco desaparecer lentamente na escuridão da cortina preta. Ao chegarem ao palco, duas luzes focam os jovens, que estão de costas um para o outro.

- Quem somos nós, se não os restos daquilo que vocês produzem? Quem somos nós, se não aqueles que morrem todos os dias da neutralidade da vida citadina e comercial?

- Somos o Nada, a verdadeira essência da vida. Estar silencioso é estar morto, e todos nós nos calamos.

- Estamos todos mortos.

As duas luzes apagam-se e a sala fica num completo silêncio. Aparece lentamente FIM.

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As luzes da sala de exibição acendem. No fundo da sala, está sentado Manuel Barros, professor de cinema. Mesmo na primeira fila está um aluno de cinema atento, fumando um longo cigarro melancólico, envolto num construtivo pensamento global da vida. Vira-se para trás, lentamente.

- O que achou, professor?

- (esfrega os olhos) Bem, isto é sobre o quê?

- O que poderia ser? Claro que todo o ser humano tem o direito de saber aquilo que vê através de ele mesmo. Quem somos nós, artistas, para condicionarmos o bem mais precioso da vida humana.

Manuel olha para o aluno.

- Não respondeste à minha pergunta...

- Penso que respondi, professor. Para mim, cada um pode interpretar a minha obra como quiser.

- Sim, mas agora quero saber a tua visão.

- Qual foi a sua interpretação?

- Não estamos a falar de mim...mas...

- Eu tenho o direito de saber, não achas? Até porque estou a ser aliviado.

Manuel ajeita-se. Guarda o caderno de apontamentos na mala e levanta-se. Prepara-se para sair.

- É sobre o crescimento da vida enquanto adolescente, onde todas as nossas questões parecem vazias para alguns, e, por isso, a maior parte dos jovens não diz aquilo que sente. Isto é o grito de revolta. O que achas?

- Acho que cada vez odeio mais alunos de cinema...

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