quarta-feira, dezembro 28, 2005

Todos temos um pouco de decadência em nós |3|

Não me lembro de nada do outro lado, a primeira memória que tenho é deste edificio cinzento e destas grades que nos impedem de fugir de um sitio no qual estamos presos...e não fizémos nada, estamos presos porque somos como somos e os adultos têm medo de nós, mas mesmo assim penso que é uma razão "honrosa" de se estar preso, quando pergunto ao gajo que está na cela ao lado da minha a razão por ele estar preso e ele diz: "matei 2 pessoas num assalto a uma loja.", isso é fortemente condenavel e vergonhoso para essa pessoa, quanto aos que estão na minha situação e em relação a mim particularmente, não consigo deixar de levantar a cabeça com um certo orgulho encher o peito de ar e dizer a razão pela qual estou preso "Sou jovem"
Somos cerca de vinte jovens nesta prisão, mas não faço ideia de quantos seremos ao todo no conjunto das inumeras prisões espalhadas por territorio adulto.
Não me lembro da minha mãe, mas gosto de pensar que ela é feliz onde quer que ela esteja, nunca me veio visitar, nunca ninguem me veio visitar, mas eu também.......
"Hey!"
"Cala-te não vês que estou a escrever?"
"Vê lá essa lingua puto...tens visitas para ti."
"Tenho?"
"Vá puto, à minha frente."
Acabei de chegar da sala das visitas estive 5 minutos frente-a-frente com uma mulher, trinta e tal anos diria eu, toda vestida de preto...não falámos ela chorou compulsivamente o tempo todo....será que eu fiz alguma coisa de mal e não sei? Será que era uma amiga da minha mãe....será que aconteceu alguma coisa à minha mãe? porque será que só apareceu agora?
Ela deu-me um papel com uma morada....vai ser o primeiro sitio onde irei quando sair daqui.
Mas não me posso preocupar com isso pelo menos hoje; hoje os "vinte" (nome dado ao grupo de vinte jovens aqui presos) vão-se encontrar, haverá poucos guardas...todos os adultos serão convocados para planearem mais um ataque, daqueles que nunca resultam, é ás 8...está quase.
8 horas
"Palavra passe?"
"Caralho."
"Entra, estava a ver que não vinhas...só faltavas tu."
"Desculpem, mas estive a escrever umas coisas.."
"Sempre a escrever, aiai este Paulo.....vá adiante...sendo eu o chefe e como eu ja estava ca, não esperámos por ti para fazer a votação....o teu voto não mudaria as coisas não te preocupes, a maioria concordou que só metade poderá sair daqui, se fossemos todos o mais provavel era sermos mortos....reduzindo os fugitivos para metade esses têm mais hipoteses de se safarem."
"Deviam ter esperado por mim...vêm foi por estas e outras razões que não votei no Manuel para chefe..."
"O que é que disseste?"
"Meninos, parem com esta palhaçada...não sejam crianças e tiremos à sorte."
"Laura não te esqueças qeu sou eu quem manda aqui.....tiremos então à sorte."
"Quê? aquela merda dos filmes onde se tiram pauzinhos maiores e mais pequenos? nunca percebi essa merda."


Tira-se à sorte e desaparecemos rapidamente um para cada lado, entro na parte da prisão destinada às mulheres, diz-se que é mais aceada do que a parte masculina, mas também nunca lá estive para comprovar.
O Paulo e o Manuel nunca se deram, são "rivais" desde que os conheço, diz-se que esta espécie de rivalidade começou quando os dois estavam perdidos de amores pela mesma rapariga, que entretanto saiu...nós temos esse poder de virar homens uns contra os outros....esse e outros.
Entre os nomes que ficaram destinados a fugir da prisão estavam o meu o de Manuel e o de Paulo...daí a uma semana a metade que ficaria transformaria a prisão num inferno...obrigando os guardas a abrirem as portas aí a outra metade com armas compradas aos presos adultos gastariam as balas necessárias para sairem dali....até a um tunel que por estupidez do fazedor (um guarda subornado), estava num sitio onde só poderiamos chegar pela força das armas....queriamos sair desesperadamente queriamos ver o mundo jovem pelo menos uma vez e vive-lo....viver a nossa gente o nosso povo que apesar de ser nosso não conhecemos.
Era o dia tão esperado...tudo pronto. Rebentam os primeiros explosivos vejo fumo mulheres aos gritos....soa o alarme de incêndio as portas das celas abrem-se tiram-se armas debaixo de cobertores, colchões ou em buracos saio e dou de caras com um guarda...nunca tinha morto ninguem e naquele momento ainda não estava preparada....a companheira que estava na cela ao lado que tinha morto o marido à facada salva-me matando o guarda muitos dos presos e das presas ajudaram-nos na fuga com esperança de que eles também conseguissem fugir.
No meio da confusão oiço o meu nome..."LAURA!!!!"....é Manuel agarra-me no braço e leva-me para o tunel, no caminho.... acerta em dois guardas prontos para dispararem sobre Paulo que estava mais à frente, Paulo apercebe-se disso e olha-o com uma cara de raiva....até hoje Paulo não se perdoou a si mesmo por ter deixado que Manuel lhe tivesse salvo a vida.....entramos no tunel e saimos no meio da floresta os dois ultimos que vinham connosco foram apanhados por "snipers" que estavam nas tores.......ficámos 8. Paulo fez força para que a nossa fuga culminasse na morada que aquela senhora lhe tinha dado, ele disse-me, quando veio passar a noite à minha cela, que por alguma razão confiava na mulher que o tinha vindo visitar e tinha a certeza que se fossemos para lá estariamos em segurança.
É onde estamos agora, sinto-me segura aqui a casa era logo ao sair da floresta (razão também pela qual era melhor virmos para aqui) , no meio de nenhures esta pequena casa mesmo assim tinha garagem, onde estavam 6 dos fugitivos eu e o Paulo ficámos no quarto ao lado da senhora que ficamos a saber que era sua mãe...Paulo e Matilde falavam no quarto ao lado, as paredes pareciam de papel....não vi os abraços e lágrimas que os dois trocaram mas ouvi a conversa.
"Porque é que só apareceste agora? Porque é que não me foste visitar mais cedo?"
"Eu tinha o teu pai eramos felizes ele era tudo para mim......tu eras e continuas a ser jovem quando fosse a altura devida nos iriamos receber-te bem de braços abertos mas até lá não.
Só que depois o teu pai morreu.....entreguei-te o bilhete porque o teu pai tinha um espirito activo e jovem para um adulto...esperava que tu também assim fosses e és, estás aqui......eu senti-me sozinha e tu és do meu sangue fui eu que te tive...." oiço choro não consigo ouvir mais.
"Ele morreu?........como é que ele morreu?"
"Os jovens mataram-no."
Paulo chorou toda a noite no meu colo pelo o homem que não conheceu.


Já era de madrugada quando Paulo disse que precisava de apanhar ar....Laura foi com ele.
Paulo estava confuso, iria juntar-se ao lado que matou o seu pai? ou ficaria do lado adulto e passaria o resto dos seus dias na prisão?
O seu andamento torna-se mais pesado.....continuando a olhar em frente diz:
- Eu fico aqui com a minha mãe, só aqui me sinto seguro....sinto que pertenço aqui quero aproveitar este tempo enquanto os adultos não me descobrirem para ser o mais feliz que posso com a minha mãe.
-Eu fico contigo- disse Laura.
-Não. Tu tens que ir ver o mundo jovem. Não fiques assim quando fizeres vinte anos vens para ao pé de mim outra veze contas-me tudo o que viste......vês? acaba sempre tudo em bem.
Quando passam os dois pela garagem ouvem alguém a falar:
- Lado oeste da floresta estão cá os 8 que restam.....
Paulo manda-se pela janela tinha-se esquecido da arma no quarto.....Manuel aponta a arma a Paulo Laura aponta a arma a Manuel....os 5 restantes tem todos Manuel na mira.
-Eu sempre soube.......
-Sabias Paulo?...isso não interessa daqui a pouco tempo estarão rodeado de adultos....
-Então temos de acabar com isto rapidamente- Laura decidida dispara.
Paulo mete-se à frente de Manuel e leva um tiro no peito.
-Porquê amor?
-Eu não quero ficar a dever nada a esse filho da puta, ele salvou-me a vida eu salvei-lhe a vida......es........estamos quites.
Paulo morre nos braços de Laura. Com os olhos cobertos de lágrimas Laura olha para Manuel e vê-o a rir enquanto era trespassado por 5 balas........dois mortos na garagem.
Laura decide ficar com Matilde e a ultima coisa que os 5 fugitivos vem é um quadro onde duas mulheres vestidas de preto estão rodeadas por soldados adultos. É efectivamente uma das ultimas coisas que vêm porque uns kilometros mais à frente são interceptados por uma patrulha adulta que faz questão de juntar mais 5 nomes à lista de jovens abatidos por adultos no seu territorio.
Laura e Matilde ainda hoje cumprem pena na prisão onde surgiu a ideia utópica de liberdade e de mundo jovem....mundo esse que nunca foi alcançado.










Yours sincerely...............Kid_d

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