quinta-feira, abril 14, 2011

Desculpa, mas eu não vou colocar isso no meu mural

O Facebook tomou conta das nossas vidas. A partir do momento em que fizemos "log in" pela primeira vez, a nossa sina estava traçada. Seguiram-se ondas de "quizzes", jogos, comentários supostamente engraçados e "gosto" em tudo o que aquela rapariga que nós achamos tão gira escrevia. Quantos de nós não vão ao Facebook antes de começarem a trabalhar? Vá, não tenham vergonha.
Lentamente, sem que nos apercebêssemos, os "chainmails" começaram a tomar conta de inúmeros murais, pedindo ajuda para todos e quaisquer problemas onde a única coisa que se pede é apoio. Em vez de mandarmos a mensagem para 5 amigos, como se fazia antigamente, este verdadeiro camaleão virtual pede-nos agora que simplesmente coloquemos a sua mensagem no nosso mural e que se os nossos amigos quiserem, que façam o mesmo. O que está em jogo não é a nossa sorte, mas sim a nossa suposta dignidade. Bem jogado, "chainmail", bem jogado. Contudo, eu sou uma pessoa amargurada, não me apanhas assim tão facilmente.
Eu sei que o Facebook ajudou recentemente uma menina a conseguir uma segunda oportunidade na sua vida. Milhares de pessoas ajudaram e partilharam a sua história e todos doaram dinheiro. A menina recuperou, foi noticia nacional e todos nos sentimos melhor. Isso é uma coisa, isso é o Facebook a dizer que somos bons, que conseguimos unir-nos e ajudar alguém. Mas quando se trata de uma mensagem estúpida sobre o meu apoio à luta contra o cancro e que "de certeza que 3% dos meus amigos também irão colocar isto no seu mural", este tipo de coisas não ajuda ninguém a lutar contra o cancro, só serve para fazer as pessoas sentirem-se mal. E isso é "chainmail", bitches.
Oiçam, eu temo o cancro. A minha avó faleceu no ano passado depois de passar anos e anos a lutar contra a maldita doença. Não sou daqueles insensiveis que apenas fala porque nunca sentiu a dor de perder alguém querido. Eu não só perdi uma das pessoas mais importantes da minha vida para o cancro como a vi lutar durante tanto tempo e nunca pude fazer mais nada do que lhe dar o meu apoio, e rezar para que não falecesse hoje ou amanha.
Esse tipo de mensagens nos murais não me ajuda nem me apoia, irrita-me. Querem fazer-me pensar que, se não colocar aquilo e espalhar, sou um monstro. Pois eu quero que se lixem. Se me querem apoiar e se querem ajudar os vossos familiar, dêem-lhes um abraço, digam-lhes que estão ali para eles. Será que vocês chegam ao pé da vossa familia e dizem "pessoal, não se preocupem, coloquei uma cena no mural do Facebook e a avó vai ficar melhor". O mundo é muito pior que isso e muito provavelmente o vosso familiar não ganhará a luta, mas tenham vergonha se perdem tempo com isso em vez de estarem com eles.
Desculpem, mas eu não vou colocar nada disso no meu mural. Acho amoral e parvo, até porque sei que essas mensagens calorosas de compreensão e amor não são mais que "chainmails" disfarçados para invadirem os nossos murais como virus. São, isso sim, apenas instrumentos sociais para que possamos apelar ao bom senso das pessoas, não porque é necessário, mas sim porque fica bem. Metade das pessoas não sabe o que é perder alguém para a doença e mesmo que ache que está a apoiar, no seu interior sabe que o faz porque os amigos também o fizeram e ela não se quer sentir fora do grupo. O amor, a amizade e a sorte são mais fáceis e ajudam. Se passaram pelo mesmo que eu, têm o meu apoio e quando vos vir, dou-vos um enorme abraço. Mas se acham que devo colocar o que quer que seja no meu mural para demonstrar o meu apoio, então deixem que vos diga que vocês estão a fazer as coisas mal. Parem de fazer os outros sentirem-se mal.
E eu sei que este tipo de coisas ajuda certas pessoas a ultrapassarem a sua dor, não tenho nada contra isso. Acredito que pelo menos "3%" o faça com gosto e com o nobre sentimento de ajudar. Mas e os 97%? Este tipo de coisa é assim tão necessária? Se é, não me mandem à cara, façam-nos discretamente. Se apoiam os doentes, façam-no, não o venham dizer propositadamente numa rede social.

Resumindo, pensem o que quiserem, mas eu não vou colocar nada disso no meu mural, vou, isso sim, colocar uma piada estúpida. Porque esse é quem eu sou, não um "chainmail".

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sábado, abril 09, 2011

Sidney Lumet


Faleceu hoje um dos melhores e maiores realizadores norte-americanos de todos os tempos. Sidney Lumet morreu com apenas 86 anos, ainda no principio da sua vida enquanto que outros continuam para lá dos 100 e a fazer menos do que este homem fez.

Lumet realizou dos melhores filmes que alguma vez vi, verdadeiros clássicos que demonstram perfeitamente o poder de um bom guião e a força da interpretação dos seus actores. Ficarão para sempre comigo as actuações de Al Pacino nos filmes "Dog Day Afternoon" e "Serpico", tal como Henry Fonda em "12 Angry Men". Esses filmes são, para além de alguns dos melhores filmes que vi, excelentes exemplos de guioes cuidados e geniais. "12 Angry Men" passa-se numa sala fechada com 12 personagens diferentes, algo que me assustaria escrever se me fosse pedido. E no entanto, parece tão fácil quando o vemos no ecrã.

Eu estou sinceramente triste com a sua morte. Era um dos poucos realizadores que seguia religiosamente e cujos filmes tentei sempre ver. "Before the Devil Knows You're Dead" foi o seu último filme e é um dos bons. Mesmo que não tenha a mestria dos seus primeiros filmes, o homem sempre soube o que queria contar, algo que muitos nunca saberão na sua carreira. Abordou temas como o prejudicio, a homossexualidade, o remorso e o poder dos media na nossa sociedade, e fê-lo com amor. Este é um daqueles realizadores que, se não conhecem, devem ir a correr para a fnac mais próxima ou, quem sabe, o clube video, e procurem pelos seus filmes. Um dos últimos mestres do novo cinema americano.

Deixas muitas saudades, Lumet. Eu sei que já não eras novo, mas estava à espera do teu novo filme. Mesmo que não tenha visto nem metade da tua filmografia, aqueles que vi conquistaram-me por completo e fazem-me tentar seguir o caminho que escolhi. És o meu Frank Zappa do cinema, não preciso de ver tudo para saber que és o maior, já me conquistaste.

Um dia quero escrever histórias quase tão boas como a de "12 Angry Men" ou "Dog Day Afternoon", mas tenho de crescer e muito. Muitas das pessoas que admirava morreram no espaço de um ano, estão todos a desaparecer. Será que um dia alguém escreverá, num ihouse virtual, um pequeno texto sobre mim? Às vezes penso que os melhores já foram e que agora só temos imitações, mas por outro lado, se assim fosse, só estariamos a sujar nomes tão grandes como o teu.


Um abraço, Sidney Lumet.

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